Numa
fria e chuvosa manhã de terça-feira, estava eu, no ponto de ônibus,
aguardando a chegada daquele que me levaria ao serviço. De repente, surgiu um
rapaz, aparentemente de uns 35 anos, estava embriagado (parecia ser apenas por
álcool), porém limpo e até bem vestido, com uma camiseta verde, uma calça de
cor escura e tênis.
Essa
pessoa (a quem vou chamar de AMIGO) se direcionou ao rapaz que estava ao meu
lado e estendeu-lhe a mão, mas não encontrou a outra mão aguardada. Por não
ter sido correspondido no cumprimento, passou a falar para o outro com revolta,
indignação e irritação. Suas palavras tinham um tom de ameaça, mas ao mesmo
tempo demonstravam que tudo que ele buscava era um pouco de dignidade. Talvez
aquele gesto não correspondido pudesse até levá-lo a fazer uma besteira
(suicídio, por exemplo). É possível que naquele momento o AMIGO buscasse um
motivo para conservar sua vida, algo que o fizesse desistir de cometer qualquer
tipo de violência contra si mesmo.
Fiquei
atento a tudo que acontecia ao meu lado. Num primeiro momento, com certo receio
do que poderia ocorrer, mas depois até que me simpatizei pelo AMIGO e abri um
sorriso enquanto ouvia-o. Então ele voltou-se para mim e começamos a
conversar, sua voz tornou-se serena, seu semblante ficou tranquilo e ele
estendeu a mão para cumprimentar-me, por três ou quatro vezes durante nossa
conversa.
Ele
perguntou como me chamava. Na hora, não falei meu verdadeiro nome, disse que me
chamava João. Então ele disse-me que João era um nome bíblico, mas que
gostava mais de Pedro, que tinha empunhado a espada para lutar contra os
soldados romanos e defender Jesus. Falou também da traição de Judas, elogiou
a minha barba, que, modéstia à parte, está sempre bem aparada, entre outras
coisas.
De
repente avistei meu ônibus ao longe e despedi-me do AMIGO, porém tive uma
grande surpresa, ele pediu-me um abraço. Sem hesitar aproximei-me dele e o
abracei, foi aí que tive uma surpresa maior ainda. O AMIGO, com quem conversei
e de quem eu nem sabia o nome, deu-me um beijo no rosto.
Qualquer
pessoa no meu lugar ficaria enojada, revoltada com a atitude daquele
"estranho", todavia para mim significou o beijo mais sincero que já
recebi. Aquele beijo não tinha como princípio o cumprimento de pessoas que se
conhecem (o que é natural), nem um "ritual de família", nem uma
demonstração de carinho entre namorados (algo rotineiro).
Com
aquela atitude, o AMIGO conseguiu atingir a mais intima angústia que trago
dentro do peito, acabou com qualquer ato de descriminação. Fez-me refletir
sobre quem realmente precisava ter aquele encontro, e cheguei à conclusão que
era eu mesmo. Propiciou-me ver que todos nós temos algo a oferecer para
alguém, seja qual for sua situação. Obrigou-me a despir-me de todas as
convicções, teorias e pré-conceitos e render-me ao fato de que uma atitude
sincera, desprendida e verdadeira vale mais que qualquer bem material e é mais
eficaz que qualquer droga (remédio) ou terapia.
Jefferson
Oliveira Cristovão da Luz é funcionário público, técnico em análises clínicas,
técnico em administração, escreve peças e atua amadoramente na igreja, desenvolve
atividade voluntária a ONG que cuida de crianças carentes e a ONG que cuida de
famílias de alta vulnerabilidade social, com palestras sobre Gripe A, Higiene, DST.
Junho 2011
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