1986, provavelmente mês de julho. Fazia frio. Era umas dezoito horas de um dia de semana. Pécias voltava do trabalho em sua moto 125 cilindradas, com pintura personalizada no tanque e para-lamas. Estava na segunda faixa dentre as três da pista lateral da Marginal Tietê. Encontrava-se entre o estádio da Portuguesa de Desportos e a ponte da Vila Guilherme. Sentido Lapa-Penha.
Seguia no centro da faixa. Como convém, ocupava o espaço de um automóvel. Imprimia a velocidade máxima regulamentada. O trânsito era intenso. Havia veículos pelo menos a cada dez metros em todas as faixas ao longo da via.
Atrás, com seu automóvel de 1.600 cilindradas, vinha um motorista apressado. Queria, a qualquer custo, ultrapassar a motocicleta. Mas não procurava ir à faixa da esquerda para fazer do modo devido. Aproximava-se perigosamente da motocicleta de Pécias. Acionava o farol alto e buzinava várias vezes. Ameaçava a segurança deste, que não tinha para onde ir naquele momento.
Na iminência de um acidente, Pécias sinalizou intensamente. Usou a seta e o braço para chamar a atenção dos condutores à direita, cuja faixa o tráfego estava um pouco mais lento. Todavia, não conseguiu espaço para acessá-la. Assim, colocou-se o máximo que pôde à margem direita. E o motorista aloucado avançou para seguir seu rumo.
No entanto, dois minutos depois, o trânsito congestionou. Passou a ser de parada e retomada. A velocidade média ficou em dez quilômetros por hora. Formando uma fila a perder de vista.
Como Pécias estava de moto, não teve problema. Com o cuidado que sempre tinha, foi pelo corredor, entre os carros parados nas faixas.
Dois quilômetros à frente, reconheceu aquele apressado motorista, quando chegou a seu lado. Pediu-lhe atenção e, sem a intenção de provocá-lo, disse:
— Ei, amigo! Está vendo? Não adianta ter pressa. Agora você fica aí parado e eu vou embora.
Só que o sujeito não interpretou positivamente. Falou uma ofensa e ameaçou. Pécias, entretanto, sabia que nessas ocasiões, o mais inteligente é o que cede. Continuou seu caminho.
O problema é que não demorou muito e o trânsito ganhou fluidez novamente. Diante disso, Pécias viu-se na possibilidade de ser alcançado por aquele sujeito problemático. Por isso, tratou de acelerar um pouco mais para não correr o risco. Agora quem tinha pressa era ele. Pressa para não encontrar encrenca, como por exemplo a de um carro de aproximadamente uma tonelada sendo jogado contra uma motocicleta.
Chegou ao destino sem ver novamente o tal indivíduo. Porém, considerou que não faria mais esse tipo de abordagem. Pois se é inapropriada a circunstância e a disposição do ouvinte, torna-se inócua e ainda provocativa. Porque até mesmo a melhor comunicação não serve para quem insiste na má interpretação.